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Mostrando postagens de 2018

#IncipitBrasil AS LOURAS DE MINHA VIDA de Fernando Neves

Maria Alice guarda, muito bem guardado, no fundo de uma gaveta fechada à chave, no armário art déco que ganhou de  sua tia Anália, um álbum de capa de veludo vermelho com bordas ornadas com fios de ouro. Nesse álbum, Maria Alice coleciona  todas as recordações amargas de sua vida. Não há uma única mágoa, pequena tristeza ou grande infortúnio que não esteja registrado,  de alguma forma, no álbum vermelho de Maria Alice, num imenso relicário de suas piores memórias. conto Álbum de Recordações Amargas Bandeirola, São Paulo, 2018, 164 páginas. Livro de estreia de Fernando Neves.  Os contos dessa coletânea tratam de perda, do medo e das diversas formas de fuga empregadas por aqueles que temem as incertezas dos relacionamentos.

#IncipitBrasil ANTONIO de Beatriz Bracher

Teo dizia "somos cinco, mas um morreu", quando perguntavam quantos irmãos eles eram. Se a pessoa estranhava, ele balançava a cabeça e dizia "eu não o conheci, era o mais velho e morreu nenê". Desde pequenos estudamos juntos, fiquei amigo da família, passava muito tempo na casa deles. Quando eles eram crianças e adolescentes, a casa era alegre, bem diferente da que você conheceu. Tua avó Bel, além de trabalhar e ganhar dinheiro com as aulas na faculdade e no colégio, cuidava de tudo e a bagunça não chegava a ameaçar. Xavier foi editor, escritor, jornalista e dramaturgo, imagino que o dinheiro do dia a dia vinha mais do trabalho da Bel e, até onde entendo, de uns restos de herança. Eles moravam no Butantã, em uma casa que tinha sido do pai de Xavier, do teu bisavô médico. Editora 34, São Paulo, 2010, 184 páginas. Da orelha do livro: [...] "Benjamin, o protagonista, ao descobrir por acaso um grave segredo familiar, decide saber dos envolvidos exatamente como t

#IncipitBrasil VOCÊ VAI VOLTAR PRA MIM E OUTROS CONTOS B. Kucinski

Zuleika veio à praia a convite das amigas do prédio. Sábado é dia de folga, dia de voltar pra São Gonçalo, onde estão os filhos com a avó Fortunata, mas este sábado está demais de quente, o céu azul total. E a praia de Copacabana bem em frente. Quem resiste? Cosac Naif, São Paulo, 2014, 192 páginas. Da orelha do livro: Do autor deK., romance finalista dosprêmios Portugal Telecom e São Paulo de Literatura de 2012, estes contos retratam a atmosfera opressiva dos anos de chumbo da ditadura militar brasileira.

#IncipitBrasil NINGUÉM ABANDONA O PARAÍSO PELA PORTA DA FRENTE Helena Cerello

Ame o outro como ama a si mesmo um narrador pervertido em primeira pessoa. Mas antes abra a janela. Ouço por debaixo da barba, no quarto principal da fazenda centenária. Eis o milagre. Nós estamos juntos há vinte e um anos, a atriz com o focinho atrevido e seu marido bem mais velho, diretor de cinema-gênio-escamoteador. A escritora, que sou eu, nasce atrás da cortina, ostentando caprichos e a melhor champagne, sem tempo para lágrimas de quem sabe ter dedos ávidos por anéis e justiça. Quelônio, São Paulo, 2018, 168 páginas. Helena Cerello é escritora, atriz e dramaturga. Da orelha assinada por Lourenço Mutarelli: Neste romance, Helena Cerello nos apresenta uma história dentro de outras histórias. Uma Matrioska às avessas: cada pequena peça traz dentro de si uma figura maior. E o jogo segue quase sem fim, ou com o fim dado logo ao começo. 

# IncipitBrasil HANÓI Adriana Lisboa

"Alguém tinha contado a David a história do sujeito diagnosticado com uma doença grave a quem o médico só havia dado um ano de vida: o doente pediu demissão do emprego, vendeu tudo o que tinha e foi gastar numa farra de dimensões épicas. Pouco depois, descobriu-se que o diagnóstico estava errado. Parece que o médico teve que enfrentar um processo, mas daí em diante a história perdia o interesse para David." Hanói, de Adriana Lisboa, Alfaguara, 2013, Rio de Janeiro, 238 páginas. Em uma entrevista, Adriana Lisboa indicou a leitura de  O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde,  obviamente a edição sem adaptações. Até hoje agradeço o toque. É do seu sexto romance o incipit que escolhi.  Da quarta capa: Hanói é um romance sobre deslocamentos, sobre detalhes que mudam um destino, e sobre a transitoriedade da vida. A cidade, aqui, é mais do que localidade geográfica: é um futuro imaginado, onde David, doente e determinado a levar a cabo um projeto radical, deposita esperan

#IncipitBrasil TERNO DE REIS Daniel Brazil

"Penso muito nas minhas escolhas, por toda a vida. E cada vez mais me parece que fiz parte de um jogo, um misterioso jogo do qual fui único participante, em todas as rodadas. Tive o controle das peças a maior parte do tempo, mas nos momentos decisivos alguém ou algo decidiu por mim. Quem traçou meu desígnio, não sei. Nunca fui de acreditar em anjos, deuses, espíritos ou demônios. Se isso me livrou das trevas, também evitou que ficasse cego de luz. Caminho para a penumbra ciente de que algo extraordinário me aconteceu, e que nunca terei uma explicação racional para isso." Sou fã do Daniel Brazil, contista. Daniel não aceitou a garantia do respeito conquistado como ganhador de tantos e variados prêmios nesse gênero e decidiu encarar a estreia em livro publicado com um romance. Tive o prazer de ser uma das leitoras de TERNO DE REIS ainda no original. Essa semana o #IncipitBrasil é dele. Da orelha do livro: TERNO DE REIS, pelo título, pode sugerir um romance regionalista, co

#IncipitBrasil A MULHER QUE ESCREVEU A BÍBLIA Moacyr Scliar

"Muita gente pergunta por que me dedico à terapia de vidas passadas. Minha resposta varia conforme as circunstâncias. Quando sou entrevistado na tevê ou no rádio -- e sou muito entrevistado --, declaro, de forma propositadamente reticente, que cheguei a isso por artes do destino. O resultado é, em geral, muito bom, traduzindo-se em admiradas exclamações por parte de entrevistadores e do público eventualmente presente. Destino é uma palavra de que as pessoas gostam muito; associam-na com o sobrenatural, com astros, coisas que sempre impressionam. Aproveitando o frisson, vou além. A princípio com certa dificuldade -- patusas vacilantes, penosos silêncios --, mas logo com crescente entusiasmo -- como se as comportas se tivessem aberto, entende?, as comportas da emoção -- revelo que minha profissão originalmente era outra: professor de História. O que, de novo, é uma surpresa: imaginam-me psicólogo ou médico." O trecho acima é o incipit de A MULHER QUE ESCREVEU A BÍBLIA, mas nã

#IncipitBrasil DIA SANTO Humberto B. Leal

"Nasci e vivi muito tempo na Amazônia. Criança de brincar nos beiradões dos rios lamacentos, de carregar as bacias de roupa de minha avó que labutava sobre balsas de sapopema, de me esconder do meu pai me chamando para beber purgantes contra todo tipo de verme e cujo gosto intragável fui incapaz de esquecer. Aprendi a nadar nos igarapés, vivi em cortiços na minha primeira infância, ouvi muitas histórias de visagens e presumo ter visto fantasmas confabulando na solidão das calçadas. Eu e uma porção de crianças costumávamos passar as manhãs, enegrecidos pelo sol amazônico, a ver as embarcações passando ao largo, no rio Negro, sem preocupação com a vida ou a morte." Dia Santo, romance de Humberto Batista Leal,  Maltese, São Paulo, 1992, 158 páginas. Do prefácio de Raquel de Queiroz: "E é preciso se ter uma certa preparação psicológica para ler e ouvir o DIA SANTO. Esquecer o meramente folclórico, sentir a Amazônia na sua carna e na sua força. Ali, não se recebe o santo

#IncipitBrasil O CRIADO-MUDO Edgard Telles Ribeiro

"O convite para a inauguração do antiquário, esquecido na caixa de correio, era dirigido ao inquilino anterior. De dois meses antes, trazia dizeres em português e, no verso, em inglês. Curioso, li primeiro o texto em inglês: CRIADO-MUDO WHERE THE PAST HAS A FUTURE Still searching for furniture and furnishings that feed your fantasies? If Art Nouveau, Art Deco or Pre-60's parahernalia is your things, come visit!" O criado-mudo, romance de Edgard Telles Ribeiro, Record, 2008, Rio de Janeiro, 268 páginas. Da orelha do livro: Engana-se quem espera um crime. Ou quem imagina uma sobrinha-neta contando a história de Guilhermina até o fim. Mas todos aqueles que amam fábulas, poesia e fantasia se surpreenderão. (TV Movie) Nem todos os primeiros parágrafos são um primor e nem todo escritor quer escrever o melhor Incipit. Talvez seja esse o caso de #OcriadoMudo de #EdgarTellesRibeiro . Deixo aqui o link da resenha escrita por Daniel Brazil pra desfazer a má i

#IncipitBrasil conto A CARTOMANTE Machado de Assis

"Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras. -- Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: 'A senhora gosta de uma pessoa...' Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade... Histórias Reais, contos de Machado de Assis, introdução e seleção Fernando Góes, Cultrix, 1958, São Paulo, 252 páginas. Da Introdução de Fernando Góes: Quando, em 1858 -- o mês era o de janeiro, e o dia, cinco -- Machado de Assis publicou, na Marmota, o seu prime

#IncipitBrasil A RESISTÊNCIA Julián Fuks

"Meu irmão é adotado, mas não posso e não quero dizer que meu irmão é adotado. Se digo assim, se pronuncio essa frase que por muito tempo cuidei de silenciar, reduzo meu irmão a uma condição categórica, a uma atribuição essencial: meu irmão é algo, e esse algo é o que tantos tentam enxergar nele, esse algo são as marcas que insistimos em procurar, contra a vontade, em seus traços, em seus gestos, em seus atos. Meu irmão é adotado, mas não quero reforçar o estigma que a palavra evoca, o estigma que é a própria palavra convertida em caráter. Não quero aprofundar sua cicatriz e, se não quero, não posso dizer cicatriz." Companhia das Letras, 2015, São Paulo, 140 páginas. Da 4a capa:   "'Meu irmão é adotado, mas não posso e não quero dizer que meu irmão é adotado.', anuncia, logo na primeira linha, o narrador deste romance. O leitor se descobre de partida imerso numa memória pessoal que aos poucos se revela também social e política -- como tantas outras narrativas

#IncipitBrasil A CHAMA E O VENTO Sérgio Mudado

"O mar! Tão logo pisa na areia, saindo do trigal dourado que a mantinha invisível, sente intenso ardor fustigando sua nuca. Trata-se, ela sabe, do olhar incandescente do Cão Negro, perseguidor implacável, sempre rondando em sua busca, deixando um turbilhão de fogo sobre o rastro. Pode escutar o rosnado e o terror sombrio que dele emanam. Tolera. Não se volta. Sente-se confiante. Tomara uma decisão que transcendia a si mesma -- sua renúncia ao mundo. Acabaram-se os sonhos da terra, seu sonho agora é o mar. E o oceano, brando, próximo, parece ansiá-la, prometendo-lhe o alívio da dor. De toda a dor. Entra na água. A espuma fria cinge-lhe os pés descalços. O mar! Avança. Uma nova marge descortina-se como outra aurora... Respira fundo. É necessário que cumpra uma última coragem..." Kore Editora, 2015, 252 páginas. Da orelha: "Da varanda, aturdido, ainda pude ver o carro em que ela entrou roncar o motor e partir, sem acender lanternas e faróis, desaparecendo na noite. Ass

#IncipitBrasil ÍRISZ: as orquídeas Noemi Jaffe

"Eu precisaria estar tonto ou ser mais parecido com ela para ficar escrevendo sobre o que não sei. Precisaria começar a chorar e não sei mais. A palavra que explica a falta que ela me faz está presa no dicionário e não sei tirá-la de lá, porque preciso de Írisz para me ensinar. Releio o que escrevo e já não sei mais se faz sentido. Talvez seja bonito, talvez eu tenha aprendido com ela a transformar em metáfora tudo o que vejo. Se for bonito, a beleza não é minha -- é dela. Achei que indo muito longe, falando de um jeito tão diferente do meu, eu ficaria mais próximo de uma forma de pensar e de falar que vem da morte, mas que por isso mesmo está mais perto da vida. Ela não quer mais saber da dor, porque a conhece pelo nome, já conversou com ela. Minha perda é teórica, e deve ser por isso que minha fala é mais sombria. Eu fico aqui, com minha dor intelectual, tentando imitá-la e só o que consigo escrever são palavras mornas." Companhia das Letras, 2015, 222 páginas. Da 4a c

#incipitBrasil NOITE DENTRO DA NOITE Joca Reiners Terron

"Medianeira, Paraná, princípio do inverno de 1975: seu acidente foi naquela quinta-feira, disse Curt Meyer-Clason, na manhã do dia dezessete. Com a cara tapada no muro, o pegador contava de zero a cinquenta, enquanto outros se dispersavam e você corria pela escola na tentativa de se esconder. A longa arcada que circulava o pátio em um cinturão estava em obras e seu corpo varava áreas iluminadas pelo sol e obscurecidas pela sombra e você era mais rápido que uma locomotiva e mais alto e forte que uma montanha e seus pulos ultrapassavam poças de chuva tão largas quanto oceanos, então você não viu a coluna que no dia anterior não estava ali. Saindo das nuvens, o sol fez um arco veloz, bateu palmas e desapareceu na escuridão. Acertou a nuca com força no concreto ainda fresco, cercado por tapumes. Teve convulsões e mordeu a língua. Seu calcanhar esquerdo cravou no cimento como a ponta seca de um compasso que hesitasse em girar no mapa, o pé direito chutou loucamente o vazio, parando ape

#incipitBrasil O ARROZ DE PALMA Francisco Azevedo

TRECHO INICIAL DO LIVRO  " Eu aqui na fazenda. Eu aqui na cozinha, quatro e pouco da manhã. Isabel ainda dorme, o sol ainda demora. Eu aqui, um velho de 88 anos. Para os mais novos, o Avô Eterno, o que não teve começo e nem terá fim. O que já veio ao mundo com esta cara enrugada. Eu aqui, de avental branco, picando o tempero verde. Preparo o almoço de família. Terei forças? 88: dois infinitos verticais. É boa idade, será uma bela festa. Tenho prática. Tia Palma me ensinou a cozinhar, eu era jovem. Por onde andará Tia Palma? Às vezes, fica tempo sem aparecer. Às vezes, vejo-a perambulando pela casa com mamãe e papai e nem preciso dos óculos. Chegam com diferentes idades, alegres ou preocupados, falantes ou silenciosos. Depende do dia, da hora em que os vejo." Record, 2011, Rio de Janeiro, 364 páginas. Da orelha: "Antonio, aos 88 anos, está preparando o almoço que será servido à família, finalmente reunida após muito tempo. Enquanto combina os ingredientes, vão se mist

#IncipitBrasil ESAÚ e JACÓ Machado de Assis

“Era a primeira vez que as duas iam ao morro do Castelo. Começaram a subir pelo lado da rua do Carmo. Muita gente há no Rio de Janeiro que nunca lá foi, muita haverá morrido, muita mais nascerá e morrerá sem lá por os pés. Nem todos podem dizer que conhecem uma cidade inteira. Um velho inglês, que aliás andara terras e terras, confiava-me há muitos anos em Londres que de Londres só conhecia bem o seu clube, e era o que lhe bastava da metrópole e do mundo.” Esaú e Jacó, Machado de Assis, W. M. Jackson Inc Editores, 1961, São Paulo, 454 páginas. Lançado em 1904, livro da maturidade literária de Machado de Assis e o seguinte a ser lançado após Dom Casmurro (1899). 

#IncipitBrasil O FANTASMA DE LOUIS BUÑUEL Maria José Silveira

"Porra. A navalha cortando aquele olho em dois, como se fosse um ovo cozido meio mole, cara. Aquilo não me sai da cabeça." O FANTASMA DE LOUIS BUÑUEL  Maria José Silveira, Francis, São Paulo, 2004. Trecho da 4a capa: "Neste romance da premiada autora Maria José Silveira, o regime político autoritário e repressivo funciona como um serial killer que provoca o combate e, mais tarde, a fuga. Perder a juventude nesse ambiente é uma experiência cheia de terror, mas a convivência de um grupo de pessoas identificadas por aspirações comuns e pela paixão pelo cinema serve de antídoto a essa vivência hostil."

#IncipitBrasil Descobri que estava morto J.P.Cuenca

"Descobri que estava morto enquanto tentava escrever um livro.  Ainda não era este livro. Eu morava com minha mulher num apartamento de fundos, dois andares acima de um restaurante. Seus funcionários costumavam se reunir num pátio no térreo, naquele espaço interno em que as construções do quarteirão formam um poliedro de intimidade devassada. Ali eles comiam, fumavam, usavam o telefone, jogavam conversa fora. Suas palavras atravessavam as paredes da minha casa. Era como compartilhar o Inferno de Strindberg e ouvir as vozes que o perseguiam em hotéis baratos na Paris do crepúsculo do século XX. Mas aquilo era o Rio de Janeiro e, diferente do escritor sueco, eu não estava louco." Trecho da 4a capa: "Em 2011, J.P.Cuenca recebeu a notícia de que um cadáver fora identificado pela polícia com sua certidão de nascimento. Este livro autobiográfico é uma investigação do fato."