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Mostrando postagens de 2019

#IncipitBrasil O TRIBUNAL DE QUINTA-FEIRA Michel Laub

"Ter um corpo de quarenta e três anos não impede que se pense como alguém de quinze. Um amigo meu gosta de fazer piadas sobre merda. Ele manda um WhatsApp: interditei o vestiário. Preciso comer mais linhaça, ele diz. Linhaça é saúde, granola e frutas, o reino das polpas cheias de fibras que tornam consistente o produto das entranhas, um bolo de micro-organismos vivos dos quais só nos lembramos ao sentar no vaso. É muito deselegante começar falando disso? Também lembramos do que somos feitos quando pensamos na morte." Companhia das letras, 2016, São Paulo, 184 páginas. Da orelha: "Um publicitário conta segredos por e-mail ao melhor amigo. Os textos falam de sexo e amor, casamento e traição, usando termos e piadas ofensivas que ajudam a reconstituir uma longa crise pessoal. Quando a ex-mulher do protagonista copia as mensagens e as manda para meia duzia de destinatários, tem início o escândalo que está no centro deste romance explosivo."

#IncipitBrasil AS PERGUNTAS Antônio Xerxenesky

Indicação de Ângela Pontual "No começo era difícil: ela acordava gritando, urros tão desesperados que despertavam os pais e o irmão, eles corriam em direção ao quarto dela imaginando uma tragédia ou no mínimo um acidente sanguinolento e a encontravam na cama, com o torso erguido, as mãos apoiadas no colchão, agarrando com força o lençol, as unhas quase rasgando o tecido, e os gritos iam diminuindo até ela entender o que tinha se passado, até compreender e localizar a linha divisória entre o mundo dos sonhos e a realidade, então ela ficava em silêncio enquanto os pais e o irmão perguntavam “o que foi, o que foi?” e ela respondia com uma voz rouca de quem arranhou as cordas vocais que “foi só um pesadelo”, mas ela sabia que a explicação era simplista, que não valia a pena repetir o que contara aos pais nas primeiras vezes que acordou gritando, isto é, que mesmo depois de acordar, continuava enxergando sombras no quarto, e seu pai, do alto do seu cientificismo, explicava que o cér

#IncipitBrasil FIM DA LINHA O crime do bonde de Rafael Guimaraes

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"Eduardo Pereira da Costa perde a hora da consulta médica, e se dirá mais tarde que este pequeno contratempo teria sido a faísca que acionou os insondáveis mecanismos do acaso rumo ao desfecho inapelável. Não fosse o atraso, ele não estaria na sacada quando os fatos se passaram, portanto, não teria visto o que viu e não se sentiria compelido a fazer o que fez. Outros, contudo, irão ponderar que Eduardo, ainda que ele próprio não tivesse plena consciência da dimensão de seu drama, já estava corroído por pensamentos obscuros. Portanto, a tragédia era questão de tempo." Libretos, 2018, Porto Alegre, 268 páginas. Da 4a capa: Antes do desfecho inapelável e seus danos colaterais, o leitor é convidado a percorrer a jornada dos personagens até ali, através de episódios ambientados nos bastidores políticos da República Velha, na vida boêmia e cultura do Rio de Janeiro no início do século 20, na belle époque porto-alegrense e nas rudes disputas do interior gaúcho, nos quais uma tên

#IncipitBrasil QUEDA DA PRÓPRIA ALTURA de Sérgio Tavares

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"de todas as analogias possíveis à vida, a de uma estrada é a que menos evoca as inspirações pré-fabricadas e a poesia antipessoa. você, eu, o bebê que se descobre humano ao dar o primeiro passo delineamos uma estrada que vai transfigurar matiz, massa e bússola ao longo da vida. há pessoas, com certas vocações passarinhas, que têm uma estrada retilínea, serena e comprida de não enxergar horizonte. outras, que costumam mendigar o desassossego, perdem-se em labirínticas breias, surdas e curtas de medir queda com a própria altura. há ainda aquelas que, quando muito (este terrível mundo!), disparam num zigue-zague contínuo, caminhando uma estrada que não é sua, sem estanque ou absolvição. estradas começam agora; outras, de tão velhas, são esquecidas, deslocadas no tempo. são ocas, eco, ocas, pedregosas de abrir os pés, escoar a chuva, abandonadas ao som da noite. e, como a vida, toda estrada tem fim. nem toda." Confraria do Vento,  2012, Rio de Janeiro, 244 páginas. Da or

#IncipitBrasil UMA AUTOBIOGRAFIA LITERÁRIA: O TEXTO, OU: A VIDA de Moacyr Scliar

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"Escrevo há muito tempo. Costumo dizer que se ainda nao aprendi nao foi por falta de prática. Comecei cedo; minhas recordações de infância estão ligadas a isto: a ouvir e contar histórias. Não só histórias de personagens que me emocionaram, me intrigaram, me encantaram, me assustaram - o Saci- Pererê, o Negrinho do Pastoreio, a Cuca, Hércules, Teseu, os Argonautas, Mickey Mouse, Tarzan, os Macabeus, os piratas, Emília, João Felpudo, Huck Finn -, mas também as histórias que eu ouvia de meus pais, de parentes, dos vizinhos, e aquelas que eu próprio inventava. " LP&M, 2017, Porto Alegre. Não escondo que o Scliar é um dos meus escritores prediletos. Aqui, uma indicação da Rosânia, amiga de sempre e leitora consistente. Da 4a capa: Tomem uma família [...] em casa, à noite. Já jantaram, já viram tevê – a típica rotina das casas brasileiras nesse horário. E aí o pai ou a mãe anunciam ao caçula que está na hora de dormir. Não há criança que receba esta notícia sem protestar. Afin

#IncipitBrasil PORNOPOPÉIA de Reinaldo Moraes

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"Vai, senta o rabo sujo nessa porra de cadeira giratória emperrada e trabalha, trabalha, fiadaputa. Taí o computinha zumbindo na sua frente. Vai, mano, põe na tua cabeça ferrada duma vez por todas: roteiro de vídeo institucional . Não é cinema, não é epopeia, não é arte. É -- repita comigo -- vídeo institucional . Pra ganhar o pão, babaca. E o pó. E a breja. E a brenfa. É cine-sabujice empresarial mesmo, e tá acabado. Cê tá careca de fazer essas merdas. Então, faz, e não enche o saco. Porra, tu roda até pornô de quinta pro Silas, aquele escroto do caralho, vai ter agora 'bloqueio criativo' por causa dum institucionalzinho de merda? Faça-me o favor."  Objetiva, 2008, Rio de Janeiro, 475 páginas  Da orelha do livro: "Ex-cineasta marginal obrigado, pela necessidade, a filmar vídeos promocionais, Zeca tem um único longa-metragem em seu currículo." [...] "Na contramão dos (anti-)heróis tradicionais, o personagem não está atrás de redenção ou disposto

#IncipitBrasil A PÁTRIA EDUCADORA EM COLAPSO de Renato Janine Ribeiro

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Numa quarta-feira, 18 de março de 2015, eu estava na Casa  do Saber, em São Paulo, me preparando para começar um curso que duraria quatro semanas, quando encontrei o executivo Jorge Pinheiro Machado -- meu colega no Conselho Consultivo do Instituto Inhotim, o extraordinário museu ao ar livre a uma hora de Belo Horizonte. Ele me contou que o ministro da Educação, Cid Gomes, acabara de deixar o governo, depois de uma altercação com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. O episódio tinha sido conturbado. Em fevereiro, com apenas um mês no cargo, o ministro visitara a Universidade Federal do Pará, onde ouviu impropérios de estudantes extremistas, gente sem ideias nem valores, que só sabe xingar. Cid perguntou aos jovens por que o atacavam, já que estavam do mesmo lado, e não dos "trezentos ou quatrocentos" achacadores que havia na Câmara. E também responsabilizou Eduardo Cunha pelos "achaques" ao governo. Ora, num desses atos que só podem ser atribuídos